20 de agosto de 2007

Última Carta


"Eu nunca soube amar. Eu nunca soube amar a cada um, eu nunca soube escutá-los como indivíduos. Eu nunca soube aceitá-los feios, fracos e lentos. Traga-me um doente, e não saberei chorar com ele. Mas me mostrem um hospital, e derramarei rios e mares. Eu não sei falar em ouvir um homem, uma mulher ou uma criança. Eu só sei ser coletivo, povo, massa, conjunto.
Sou capaz de ser herói, mas não sou capaz de ser companheiro. Sou capaz de ser soldado, mas não sou capaz de ser enfermeiro. Sou capaz de ser grande, mas não sou capaz de ser pequeno. Nunca dei uma flor, nunca amei uma pessoa. E tenho amor, muito amor, mas nunca dei uma flor. Dou desenhos, dou textos, escrevo cartas, sem contato manual, sem intimidade, sem entrega. Por que desenho? Por que escrevo cartas, e agora peças?
Aqui estão 14 anos de solidão.
Minha arte é fruto da minha impotência de viver com vocês. Minha arte é minha distância de vocês. Abaixo esta peça! Mas juro pela minha mãe que não vejo a hora de pular aí e dar a minha solidariedade, a minha coragem, o meu amor a cada um, pessoalmente. Um dia, eu vou rasgar o papel em que escrevo, eu vou rasgar o bloco em que desenho, eu vou rasgar até esse recado covarde, e vou melar e besuntar vocês todos com meu grande beijo. Vocês vão me reconhecer fácil! Eu vou ser o mais feliz de vocês!”

Henfil.

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