2 de abril de 2012

«Bicicletada do Thor»

Acabo de ver uma imagem divulgada por um amigo meu, bicicleteiro da massa, sobre a Bicicletada Extraordinária que rolou em São Paulo, em protesto pelo atropelamento do ciclista Wanderson Pereira dos Santos.


Junto com a foto, o depoimento sobre a aparição policial nessa noite: «Dessa vez, a PM resolveu acompanhar de bike. Foram recebidos com sorrisos e aplausos». Ótimo, não? Já que a PM precisa mesmo acompanhar a Bicicletada, que pelo menos vão de bike, e não preguiçosamente em seus carros poluidores e ameaçadores.

Uma vez eu vi uma foto do policiamento em Taguatinga (DF) que mostra os policiais investidos de bicicletas, com um uniforme condizente com a atividade.


Esta foto foi aparentemente feita em Fevereiro de 2011.


Tudo isso é muito legal, mas e o atropelamento? Essa é uma história «daquelas», sobre a qual são geralmente os pessimistas que têm razão no final. O atropelador, filho do homem mais rico do Brasil, atropela o ciclista sem nome, sem sobrenome. O carro, arma do crime, não fica com a polícia - a prova é levada embora pelo acusado, que promete não adulterá-la. Uma piada feia de um roteiro mal escrito. E porque o acusado é muito rico, o povo se inflama contra ele. Até que algum «jornalista» escreva um textículo dizendo que, afinal, o acusado não pode ser pré-julgado porque é bilionário. A trama se desenvolve: o acusado estava sóbrio; o ciclista, não.

O pessoal da Bicicletada conclama outra manifestação pela morte do ciclista - duas semanas antes, fora convocada outra Bicicletada por outros dois atropelamentos fatais. E eis que, ao visitar o álbum de fotografias de mais uma massa crítica fúnebre, percebo que o álbum está intitulado «Bicicletada do Thor».

Bicicletada do Thor

A Bicicletada virou do Thor, e não do Wanderson Pereira dos Santos. Eu sei, e toda a gente sabe, o nome do bilionário. Mas, quantos sabem de cor o nome do morto? A bicicletada nem para ele foi; foi pro Thor. O espaço da ação foi tomado mais pelo sentimento contra o Thor do que pelo Wanderson.

É apenas um título de um álbum na internet, eu sei. E esse parágrafo acima é um devaneio meu; não quero com isso dizer que o pessoal da Bicicletada de SP está sendo desalmado. Nunca, não é esse meu ponto. A questão é que a seta do movimento, com esse título, mostrou que esta está apontada para um outro caminho, mais do que o da solidariedade: é uma excomunhão coletiva contra o acusado, uma catarse crítica, mas que acaba perdendo o foco da empatia ao buscar o linxamento público do que virou, afinal, o antigo deus nórdico: um pobre menino rico.

E, para arrematar, copio aqui o conteúdo de uma matéria publicada na versão online do Diário de Minas, no dia 23 de março de 2012.

Polícia continua investigação sobre atropelamento envolvendo Thor Batista

A Polícia Civil continua investigando o atropelamento. Por enquanto, Thor Batista não foi indiciado. Segundo o delegado Mário Arruda, da 61ª DP (Xerém), o filho de Eike Batista só será acusado de homicídio culposo (sem intenção) se ficar comprovado que conduzia sua Mercedes Benz SLR McLaren acima da velocidade permitida para a rodovia, de 110 km/h.

O laudo que vai indicar a velocidade do carro deve ser concluído em 15 dias. Thor afirma que trafegava dentro do limite. Se a perícia confirmar isso, o inquérito será arquivado e o ciclista será considerado responsável pela própria morte.

Desde o acidente, que ocorreu na noite de sábado na Rodovia Washington Luís, na Baixada Fluminense, Thor nega ter sido culpado pelo atropelamento. Segundo ele, o ciclista estava atravessando a pista quando foi atingido. A família chegou a alegar que Santos estava no acostamento, mas a polícia diz que, segundo testemunhas, o ciclista atravessava a pista quando foi atingido.

Pelo microblog Twitter, o filho de Eike disse que, ao ver Santos brecou o veículo, reduzindo sua velocidade para 90 km/h. Mas não conseguiu evitar a colisão e o ciclista morreu na hora. Após prestar depoimento, na última quarta-feira, Thor lamentou o acidente e afirmou que vai prestar todo o auxílio necessário à família da vítima.


Repare, ao final da matéria, quantas vezes o nome do falecido ciclista é citado, e compare com o número de vezes de referências nominais ao suspeito/acusado/réu. O falecido ciclista, o Wanderson, é nominalmente citado apenas uma vez, e apenas o seu último nome, ao final da matéria, numa frase favorável ao acusado que, «ao ver Santos, brecou o veículo». Já o nome completo de Thor aparece na manchete e no primeiro parágrafo, e apenas «Thor» nos outros parágrafos. Numa das vezes, é obviamente lembrado de quem ele é filho.

Para que eu pudesse saber o nome do ciclista morto, que eu também não sabia de cor, tive que recorrer a uma segunda matéria, na qual o nome de Wanderson aparece, enfim, no 4º parágrafo.

O pessoal deveria mudar o título do álbum, já que o final da história, creio eu que não tem como ser diferente do que a maioria dos pessimistas espera.


Um comentário:

  1. concordo com vc. a bicicletada deveria ser do wanderson.

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