1 de junho de 2012

Pensamentos

Um dia «difícil». Muitas horas em uma repartição pública, almoço caro, maus-tratos de um velho racista. Mas para cada coisa ruim, houve uma boa: na repartição, aquelas senhoras africanas sorridentes com seus filhinhos lindos; o almoço foi caro, mas o pessoal era gentil; o velho da loja é racista, mas é cego de um olho e de outras coisas também. O pessoal da outra loja, em compensação, é sempre muito legal comigo.

Portugal, um país de contradicto dentro de mim. Se algum dia alguém me dissesse que eu moraria aqui, não acreditaria. Sempre tive um certo desprezo por essa ideia, porque ouvia histórias horríveis de como os brasileiros eram mal-tratados aqui. Já agora não penso assim, porque isso seria trair os amigos que eu fiz aqui. Portugueses ou não. Não gosto quando falam mal daqui. Aqui é a pátria do Pessoa, e só isso já é o suficiente para mim.

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Ontem, à hora de deitar, voltei ao livro do Bill Nichols sobre documentários. E porque tenho internet em casa (benzadeusnossosenhoraleluuuia), sempre posso ver pelo menos algum trecho dos filmes que ele cita, quando não o filme todo, em especial os curtas. É de um privilégio imensurável! Quando pensamos em como as coisas eram antigamente... o acesso era muito mais difícil! Não haviam tantas mostras nem festivais de cinema, e eram também mais concentradas nas grandes cidades mais industrializadas. Cinematecas? Só pra quem morasse em São Paulo. Com a internet, o mundo fica mesmo mais perto, e o tempo cabe dentro da régua. É mesmo outro mundo esse em que hoje vivemos. Ainda assim, um filme de 1929 nos mostra que a sensibilidade atual ainda não se afastou tanto dessa antiga. Há um sentimento tênue que liga todos aqueles que enxergam a textura, a pintura e a aquarela da água em movimento.


H2O (1929), de Ralph Steiner

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Ainda no regozijo das possibilidades cinéfilas inestimável que a Internet, com I maiúsculo, nos oferta, vai esse curta experimental delicioso, que trabalha com os elementos ópticos da câmera, com as lentes, enquadramentos, junções e fissuras das imagens espelhadas, o que é às vezes poético, ou cômico, ou caótico. Ficou mesmo a cara de Nova Iorque, mas sem a pretensão de ser um documentário explícito. Interessante porque foi feitos nos anos 50, e ainda que no fim (1957), esta foi uma década careta, e a emergência de uma obra que intencionalmente ver a cidade sobre um prisma que a deforma é bom sinal.

NY, NY - A day in New York (1957), by Francis Thompson - Parte 1

NY, NY - A day in New York (1957), by Francis Thompson - Parte 2

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Brasil. O país mais interessante do mundo. Rico porque tem um povo que é malandro, mas é trabalhador. Pobre, porque só tem políticos malandros e poucos políticos trabalhadores. Gringolândia, não se iluda.

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A violência da Polícia Militar brasileira já é há muito conhecida pelo povo brasileiro, especialmente se você for pobre, ou negro, ou as duas coisas. É uma questão complexa demais para ser debatida em cima do senso comum que eu e que a maioria das pessoas têm do assunto, mas é difícil deixar de expressar uma opinião sobre o assunto, diante de tanta violência. Quando pensamos na falta de infra-estrutura básica em milhares de cidades brasileiras, desde a água encada, energia elétrica, calçadas e asfalto, transporte públicos, centros de saúde e hospitais públicos decentes, escolas, fica mesmo difícil compreender qual a raiz do problema. Eu não conheço ninguém da classe média que se habilite a ser PM, a ir para as ruas lidar com as tensões do dia-a-dia levadas a cabo e efeito pelos «bandidos» e «criminosos»: assaltantes, sequestradores, homicidas. 

O que me leva a concluir que aqueles que se candidatam ao cargo de policiais militares são os mesmos que enfrentaram durante toda a vida a crueldade do sistema social e econômico brasileiros. Pessoas que tiveram pouco acesso à educação formal e às ideias humanitárias que são o senso comum da classe média intelectualizada (mas que nem por isso deixa de ser alienada, uma vez que não sente na pele as vicissitudes da pobreza mental e material). 

Os caras são vítimas de um sistema que ajudam a perperuar, uma vez que são os algozes, são as mãos que a classe média se nega a sujar. Há uns meses li uma matéria em um jornal na internet esclarecendo que o atual sistema de policiamento brasileiro, onde já não há a guarda municipal, mas sim o policiamento militar, é uma herança «maldita» da ditadura militar (1964-1984). Isso explica, em parte, a cultura da violência dessa corporação, que é também altamente corrupta (dessa vez, sujando as mãos no lugar dos políticos, que também estão envolvidos na máfia do tráfico de drogas e armas, e sabe-se-lá-o-que-mais). 

Os policias militares enfrentam em seu dia-a-dia coisas que a classe média não sabe, não imagina. Poucas são as referências ao seu universo, tanto em matéria de televisão quanto de cinema, no que diz respeito à visão de mundo que eles têm. Sei de apenas um documentário brasileiro que vai mais a fundo na questão, que é o «Notícias de uma guerra particular», de 1999, dirigido por João Moreira Salles (um aristocrata) e produzido por Kátia Lund. Pesquisando na internet, vi que um tem um outro doc, intitulado «Sequestro», mas esse não assisti. Este último foi feito com a Polícia Civil, que vai para as ruas também, mas cujo trabalho é principalmente de investigação.

O fato é que no dia 30 de maio a ONU soltou a seguinte recomendação: de que a Polícia Militar deveria ser extinta, porque é ineficaz, violenta e promotora mais de conflitos do que de soluções. Num momento em que o mundo está de olho no Brasil como nunca dantes (se bem que o Brasil é um país muito pop), é bom que os nossos governantes saibam que o mundo está vendo o que acontece aqui, não apenas política ou economicamente, mas socialmente também. Acho que a PM deve ter levado um susto com essa notícia. Num primeiro momento, eu comemorei a notícia, é claro, porque todos os dias lemos relatos e notícias dos abusos policiais. Mas, num segundo momento, eu questiono se o Brasil é um país que se aguentaria em pé sem uma polícia. Quero dizer, onde está a raiz do problema social? Enquanto isso não for minimizado, poderíamos nos abster da PM? O que sei é que do modo como está não podemos aceitar. Mas, infelizmente, não julgo que estamos preparados para uma polícia no estilo inglês.



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