À medida que eu comecei a pedalar por Brasília os motivos só foram aumentando. Eu sempre gostei de bicicleta e patins, desde criança. Quando morava em Goiânia e estudava no Pré-Médico, com uns 14, 15 anos, eu tentei algumas vezes pedalar até a escola, mas fui poucas vezes porque a subida era difícil, eu não tinha muita força no pedal, a bicicleta não era das melhores e eu morria de medo de ser atropelada (mesmo andando na calçada).
Mas a «planitude» de Brasília sempre me convocou a pedalar, e apesar de ter demorado mais do que o desejável para adquirir uma bicicleta, um belo dia uma magrela preta e amarela (carinhosamente chamada de Magali, em homenagem à personagem do Maurício de Souza) passou a fazer parte da minha vida. De lá pra cá contam-se 5 anos de pedaladas, 1 atropelamento e 3 quedas, e muitos, muitos bons momentos e vários amigos que fiz na Bicicletada.
Aos poucos, a gente começa a pedalar não só para ir de um ponto a outro. Começa a pedalar porque sente que aos poucos o corpo se fortalece, o humor e a disposição melhoram, e a cidade passa a ser outra, mais próxima, mais humana. Pedalamos porque o dia está lindo e é delicioso suar enquanto o vento refresca sua nuca. Pedalamos porque assim vai-se mais rápido, mas ainda podemos sentir o cheiro da dama-da-noite. Pedalamos porque acreditamos na legitimidade deste modal de transporte. Pedalamos porque de vez em quando conseguimos sorrir pra alguém na rua, a troco de nada. Pedalamos porque as crianças ficam curiosas ao ver a bicicleta, e porque isso desperta nelas a vontade de pedalar. E se a sua bicicleta tem flores, você sempre pode se desfazer de algumas para alegrar o dia de alguém.
Então depois de alguns sustos na rua, buzinadas indevidas, ultrapassagens perigosas e um ou outro «acidente», você começa a pedalar porque às vezes sente medo e pensa em desistir, e por isso mesmo é preciso vencer o medo que o mundo quer colocar em você.
São tantos os atropelamentos de ciclistas que a cada dia mais eu pedalo por teimosia. Um dia foi o ciclista sem nome atropelado pelo bilionário wanna be. Outro dia foram duas ativistas atropeladas em São Paulo. Um dia em Brasília. Outro dia em Belo Horizonte. Ontem, mais um em São Paulo, esse com requintes de crueldade difíceis de suportar sem algumas lágrimas e muita dor no coração.
Ciclovias têm sido construídas em toda a região do Plano Piloto de Brasília, mas na Estrutural, na EPTG, nas grandes vias de 6 faixas para carros, recentemente reestruturadas, não há espaço para ciclovias, apesar das condições impostas pelo BNDES (a existência de ciclovias era uma condição sine qua non para o empréstimo dos recursos). E é lá que há o maior uso de bicicletas como meio de transporte (ao contrário do que ocorre no Plano Piloto, onde a maioria das pessoas ainda pedala como forma de lazer ou esporte, isto é, pedala esporadicamente). Então por aí nós vemos qual é a real preocupação do governo, que é ornamentar o Plano Piloto com ciclovias caríssimas, mas que até hoje não foram finalizadas: não há sinalização, não há placas e, principalmente, não há faixas pintadas nos cruzamentos da ciclovia com o asfalto nas rotatórias. E onde há, a preferência, contrariando o CTB, é dado aos carros, e não às bicicletas. Até onde eu sei, o Detran-DF recusa-se a pintar os cruzamentos porque não quer ser responsabilizado pelo atropelamento de ciclistas provocados por motoristas que se recusarão a dar-lhes a preferência. Eu não consigo acreditar que o órgão regulamentador do trânsito use essa desculpa esfarrapada para se isentar de tomar uma providência frente à nova realidade, e cumprir seu papel educador.
O outro problema é que agora, com as ciclovias, muitos motoristas acreditam que o ciclista perde o seu direito de circular no mesmo espaço que eles, na rua asfaltada. Do alto de sua arrogância e egoísmo, pensam que têm mais direitos do que os outros veículos, aproveitando-se de sua óbvia força assassina para amedrontar os ciclistas, que circulam «nus», sem uma caixa de metal que os proteja.
De vez em quando um ou outro motorista educado aparece e faz uma gentileza, mas para cada um que é bom, há outros nove que são simplesmente cretinos. E tudo isso às vezes me tira o ânimo de pedalar, mas eu vou persistir, eu não vou desistir. Não vou ter medo, não vou deixar que me quebrem o espírito.
Quantos de nós terão que morrer para que a sociedade brasileira se aperceba de seu anacronismo, e passe a exigir como um todo pela melhoria do transporte coletivo? Menos carros, menos motor. Mais bicicletas, mais amor.
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