"Quando eu fui embora - porque eu que fui embora - eu estava tão triste que não podia mais chorar. E fui olhando pra trás até onde alcançava a vista, e mesmo depois que já não alcançava nada eu continuei a olhar pra trás e a me lamentar. De fato, eu estou olhando pra trás até agora, separada de você por um monte de fitas que dividem o corredor como um labirinto. Meus olhos estão ardendo, de ontem, e eu tento perceber se as pessoas ao redor estão felizes ou tristes como eu. Ouço o meu sotaque em outras bocas, e percebo que a partir dali eu já não estava mais lá. Não seria preciso esperar as nove horas para chegar. A minha viagem chegara ao fim, e eu voltava mais por medo do que por vontade de voltar.
Eu, quando li que as pessoas demoravam até seis meses para se adaptar de volta, achei que era um exagero, mas coloquei para mim esta meta. Achava que até lá já não haveria mais mapa nenhum entre nós. Triplicaram em minha cabeça os fios brancos que antes passavam despercebidos, mas que agora são como um chamariz que permito existir para me lembrar de que se passaram quase nove meses que eu não te vejo, não te toco e não te amo.
Depois de três meses passados com o rosto sempre molhado da cachoeira salgada, que, impertinente, brotava a qualquer hora do dia, em qualquer canto do mundo, eu me achei muito esperta quando desmanchei os porta-retratos e guardei as lembranças no fundo do armário e da alma. Evitei tudo o que me lembrava você, para que eu pudesse continuar a viver, e não a lamentar o vivido e o passado.
Que ingênua.
Para me preservar eu nos destruí dentro de mim. Quase tomei raiva de você. Inventei motivos para brigar e assim não ter que sentir essa maldita saudade tão opressora e triste. Eu brilhei, brilhei até demais. Quando olhei para dentro, estava tudo opaco. Eu havia destruído o amor do cacto, porque mesmo ele precisava de uma lágrima de vez em quando, para humedecer tão humildes raízes.
É poesia ou é prosa? Mas Gandhi disse que Deus não tem religião. Nem eu.
A minha religião era você. Você era meu pequeno-almoço, meu lanche e meu jantar. Você era o meu abraço e o meu beijo, a minha valsa solitária, a minha banana com granola e mel. Você era a minha religiosidade. Eu te praticava todos os dias, e ainda assim não me cansava. Você era meu travesseiro e minha calma.
Agora tudo mudou.
Toca uma música. Ela entrou por um ouvido, estourou os meus tímpanos e eu enxerguei a verdade. Não adianta fingir. Eu vou precisar me apaixonar de novo por você.
Eu preciso saber:
ainda assim, você vem?"
Devo dizer: vc escreve muito bem. Seu texto emociona e faz a gente querer chorar.
ResponderExcluirMuito obrigada! :)
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