17 de julho de 2008

4ª MOSCA - Mostra Audiovisual de Cambuquira (MG) - Relato de uma viagem

4ª MOSCA - Mostra Audiovisual de Cambuquira (MG)

Tive a alegria de ir pra cidade de Cambuquira, no interior de Minas Gerais, representar o documentário "Boca no Lixo", velho conhecido do blog. Uau, eu poderia ficar escrevendo aqui a noite toda sobre o ocorrido. Saí de Brasília às 19h30, pela viação Gontijo, rumo a terra do pão de queijo. Boatos sugeriam um frio de rachar na terra onde nasceu meu bisavô materno. Se no sertão de cá estava frio, era de se imaginar mesmo. E não me arrependi dos casacos, meias, calças e cachecol que levei em uma malinha velha e surrada, presente do meu pai. Após 15 horas de uma viagem tranquila, fria e cheia de comidinhas de posto de gasolina, cheguei na cidade que estava sediando, desde o dia 9, a 4ª Mosca - Mostra Audiovisual de Cambuquira (MG).

Cheguei no antepenúltimo dia do festival, dia 11, sexta-feira. Fui da rodoviária para o Espaço Cultural que abriga o evento, coordenado pela Ananda Guimarães e suas parceiras-colegas-amigas. Lá conheci a Ananda e a Fernanda, duas figuras que estudaram na UFSCar e que gostam de ver, fazer e exibir cinema.


Depois de um café, um passeio no espaço cultural e de conhecer mais algumas pessoas com as quais convivi intensamente pelos dias seguidos, fui para o hotel deixar minha malotinha. (Pausa para falar do local da hospedagem: Grande Hotel Brasília. Será tudo mera coincidência?) Depois de quase perder meu casaco no estacionamento, voltei para a rua onde eu iria passar 97% do tempo em que estive na cidade. Rapidamente localizei a farmácia, a lan house e... ué, onde está o Banco do Brasil? Uma senhora surpresa: em Cambuquira não tem agência nem caixa do Banco do Brasil. Imaginei rapidamente que não deveria ter nenhuma loja d'O Boticário lá também. Mas, inicialmente, com algum dinheiro no bolso, eu iria sobreviver. Conversinha e docinho na lanchonete próxima com um simpático paulista chamado Marcos Camargo e sua companheira de viagem Roberta. Fui pro hotel recobrir minhas forças com um bom banho e uma nova roupa.
A alegria de viajar para um festival equivale mais ou menos a alegria de quando se é criança e você entra de férias em dezembro. Difícil até se conter. Viajar é uma das ações que mais me dá a sensação de liberdade, acompanhada geralmente por sentimentos como euforia, riso frouxo, gargalhadas internas, frio na barriga, vontade incessante de comer chocolate, lapsos de desejo por cerveja e/ou vinho (junto ou separado!) e vontade de não dormir pra não perder nada. O que no meu caso é um risco constante, tendo em vista que meu sono é algo difícil de saciar.


Almocei um lombinho com cebola no Café da Mosca, reduto gastronômico do festival - chocolate com conhaque, cerveja Bohemia, novos amigos, revistas de cinema, dvd's de curtas...
Soube depois que haveria mais um cidadão goiano em Minas. Representando o curta de ficção "Nosferatu", dirigido pela Heloá Fernandes e Rodolfo Carvalhaes, filme que também esteve no FestCine Goiânia e em Atiabaia, assim como o BOCA NO LIXO, aterrisou em Cambuquira o Carlos Cipriano, fazedor de filmes e professor/coordenador do curso de Fotografia e Imagem de uma faculdade particular de Goiânia. Surpresa boa, já que todo mundo que estava na mostra era amigo de longa data, eu também me alegrei de ter um por ali!


Encontrei Cipriano enquanto "Boca no Lixo" estava sendo exibido. Cheguei a subir no palco para apresentar o filme. Sempre aquela tremedeira na mão, um gaguejada aqui, uma trombada na dicção acolá, mas sobrevivi. Após a exibição do filme, pra variar, a emoção incontida não me permite ficar na sala de projeção. Saio pra tomar um ar e fumar um cigarro. Paradoxal, no mínimo. Volto pra sala de projeção. O frio lá fora é quase um atentado. Minha gripe recém domada ainda dá sinais de vida, mas uma bebida quente aquece a garganta e a alma.



E por falar em cinema, a seleção de filmes da mostra foi ótima. Revi alguns diretores, conheci muuita coisa nova e me surpreendi com as belas histórias, diversidade de técnicas, de formatos, de linguagens. Fiquei feliz por ter meu filme ali no meio de tanta coisa boa, como "Satori Uso", uma aula de fotografia, direção e formalismo, e tantos outros que citarei quando estiver com a programação em mãos (difícil lembrar de tantos filmes, nomes e diretores... faço aqui o mea culpa).

Não me canso de ver o BOCA. Já sei as falas de cor, mas que diretor não sabe as falas do seu filme de cor, não é mesmo, Brasil? Achei a projeção da mostra muito boa, aliás, fiquei bastante satisfeita. Apenas tive que pedir para aumentarem um pouco o volume, que ficou nitidamente baixo durante as falas do coletor João, um dos melhores depoimentos do filme. Problema prontamente resolvido, agilmente solucionado pelas meninas arretadas da produção.


Após a exibição, o debate com o público. Três mediadores cineclubistas faziam as honras. ( ) O mais falantes deles e visivelmente mais experiente - ou desinibido - era o Gabriel. Com a voz da altura do corpo, deu início ao debate de forma formal e espontânea. Bem, aí eu comecei, né? Falei, falei, falei. Falei da Ana, falei do João, falei da minha vida que mudou depois do filme, falei da pequena pesquisa com a Jane, falei das minhas motivações, falei da equipe, da proposta... E, fortuitamente, ouvi muito. O público gosta do Boca porque aprende muito com o filme. As pessoas sentem o filme como necessário. "É preciso exibir em escolas", diz um. "Procure a empresa alemã XYZ, pois eles apóiam projetos como os seus", sugere uma senhora loura e distinta. "Na minha cidade teremos enchente em breve", denuncia uma jovem.


Um rapaz de faixa na cabeça ouve atentamente e faz perguntas que me levam a crer que ele é realizador. Sim, ele era mesmo, o Rafael Rolim. Não cheguei a ver o filme dele na Mosca, mas vi a cópia aqui em casa, em Brasília, e gostei muito do filme, que também se tece sobre a paisagem urbana, falando da vida e sobrevida de uma praça gigante, linda e maluca de São Paulo.

Nesta primeira noite do festival conheci várias pessoas, dentre eles um sr. chamado Dimas, que vai todas as férias para Cambuquira, deixando seus filhos malucos ("Se bem que nas últimas férias nós fomos para Florianópolis"). Este simpático sr. tinha estado no debate, e, bem, se debateu tentando falar mas não conseguiu. Eu tentei dar-lhe a palavra, mas inútil. De forma que quando entrei no café fui por ele saudada e convidada a me sentar.

Disse-me então que no dia anterior vira um documentário sobre o cineasta da Atlântica Carlos Manga, que fez muitos filmes com o Grande Otelo. Disse Carlos Manga, segundo o Dimas, que é preciso que se filme aquilo que não é visto, pois do contrário não é necessário. É preciso filmar aquilo que se ignora, que não sobressai. E, segundo o Dimas, mais uma vez, reside aí o trunfo do nosso documentário. Quando propomos uma narrativa cuja voz preponderante é a dos trabalhadores da limpeza urbana, estaríamos exibindo aquilo/aquele que não é visto/ouvido. Sempre muito bom ouvir isso. Nos dá força para continuar.

Após alguns goles, conversas e muito frio, seguimos os habitantes provisórios do Grande Hotel Brasília rumo ao destino que o frio de 7 graus nos guiava: a cama. Sobrepus umas 7 peças de roupa e fui dormir.

Como era de se esperar, eu acordei tarde pra burro. Não consegui almoçar e tive que me contentar com 2 salgados e umas cervejas, acompanhada pelo Cipriano, que teve que encurtar sua viagem e retornar a Goiânia no ônibus das 16h55. Aproveitei que estava na rodoviária e fui verificar o preço da passagem para Belo Horizonte. Pretendia visitar um amigo e, bem, pretendia, porque o valor de 50 reais inviabiliza meu desejo e eu fui em busca de carona pra BH, o que acabou não acontecendo. De todo modo, o amigo viajou, e eu fiquei feliz por ter ficado até domingo em Cambuquira.


A noite de sábado foi a melhor. Depois de assistir vários curtas da melhor qualidade, como "Sonido", da Fernanda Fraiz, entre muitos outros cujo nome agora não lembro (...), fomos todos pro café hablar, hablar e hablar. Essa noite terminou cedo, lá pelas tantas da madrugada. Nessa noite o frio foi menor! Neste dia ganhei o filme do Rafael e o "Landau 66", um ótimo filme, com uma direção segura e muitos efeitos especiais, de final impactante.


Na manhã de domingo acordei mais cedo. Estava preocupada com meu destino: passagens, horários, dinheiro. Tive que ir para Três Corações, cidade natal do rei Pelé e que fica a 20 minutos de Cambuquira. O motivo: encontrar um Banco do Brasil. Com a lotérica da Caixa fechada, eu não tinha como sacar os 112 reais necessários para a compra da passagem de volta para a terrinha. Passeio bacana, fui curtindo a paisagem e aproveitando os últimos momentos do festival.

De volta a Cambuquira, passagem pela rodoviária para comprar a passagem. Tudo certo.

Antes das premiações assistimos aos 3 curtas produzidos durante as oficinas de interpretação e realização audiovisual. Gostei muito do primeiro deles, um curta de ficção científica, que soube explorar bem os espaços e objetos antigos do casarão que abriga o Espaço Cultural, onde o Mosca aconteceu. Abaixo uma cena do filme.



Depois dos filmes produzidos nas oficinas viriam os resultados do Júri Popular em forma de projeção, uma forma interessante de agilizar o processo e nos anunciar os "vencedores" de forma original e bastante cinematográfica.
Começamos com a Menção Honrosa concedida pela organização do Mosca: "Ecos da Terra", de Paulo Abel, uma ficação de 9 minutos produzida em São Paulo. Merecido.

Em seguida, Melhor Animação para "Rua das Tulipas", do Alê Camargo, que conheci em Atibaia com o curta "A Noite do Vampiro". Animação em 3D produzida pela OZI, escola caríssima de cinema que tem em Brasília. Merecido também. Tivemos ainda Melhor Curta Infantil: Doce Turminha e o Bom Samaritano, de SC, uma animação de 10 minutos dirigida poe Eduardo Drachinsky, amigo da Fernanda Fraiz. Particularmente, eu não gostei muito do fime, mas deu para entender porque ele ganhou: um roteiro super cristão que fala sobre a ajuda ao próximo, com um escaravelho velhinho em perigo, que é o contador de histórias de um grupo de crianças-insetos.

Aí entrou a cartela para Melhor Documentário. Fiquei na expectativa. Alguns bons 10 segundos de tela preta. Senti meu rosto esquentando e fiquei imaginando a música dos créditos iniciais tocando. Mas não era imaginação. A música começou de fato, e eu me dei conta de que tínhamos ganhado. Meu rosto pegando fogo, alegria e espanto. Alguns sorrisos dos colegas ao lado ao me reconhecerem sorridente na sala escura de cinema.

Depois da projeção corri pra
pro hotel para pegar a mala, desde cedo arrumada para evitar maiores correrias, e de volta para a sala de exibição, onde aconteceria a entrega dos certificados da premiação feita por votação pelo júri popular. "Bem, lá vamos nós para mais um encerramento", pensei eu com meus botões. A gente nunca pensa na premiação durante o festival - é uma coisa legal e chata ao mesmo tempo, tendo em vista que podemos sair de lá com alguma coisa - ou não. Entretanto, uma vez que você ganha, aí é só alegria mesmo! Abaixo, eu no palo agradecendo. Hehehe!





Acima, as brotas produtoras do festival! Organizadas, gente boa e boas de serviço! Merecem aplausos! Espero ter outros filmes pra poder inscrever nas próximas Moscas que vierem voando nos próximos anos! Detalhe: festival realizado sem leis de incetivo à cultura! Uma verdadeira raridade!!

Bem, depois que tudo acabou... só me restou despedir da bela cidade de Cambuquira, com suas águas gasosas de gostos diversos e poderes medicinais!

Obrigada a tod@s e até o ano que vem!
Né?
=P

Toda as fotos são de autoria de Mateus Rios - Organização Mostra Mosca

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