23 de março de 2010

poeira de amor velho

uma poeira de amor velho reside ainda nos quatro cantos da minha solidão. eu fico pensando em outras coisas durante o dia, mas à noite sempre passo o dedo na ferida: fica na ponta do meu dedo o pó de ontem, acumulado, que vai morrer de tão velho. eu converso com o meu amigo e ele me diz coisas tão lindas, mesmo eu estando cinza. a poeira se estende como um véu, cobrindo fotos, textos, livros, a minha sombra na parede, o meu passado e o meu presente. é isso, é pó de passado, é pó que traz alergia pra minha alegria, ela esvazia o pneu da minha bicicleta e mina minha paciência. essa poeira não me deixa amar de novo, não me deixa dar um beijo livre, não me deixa. essa poeira entra no meu olho e então eu não lacrimejo - eu choro. a poeira entra no meu nariz, entope meu pulmão, obstrui a minha garganta: vem um nó e eu tusso. eu passo um pano úmido pra tirar a poeira, mas ela é amiga do tempo e do vento, e sempre vem; eu gosto do vento também. deixo as janelas abertas pra libertar o meu sufoco. mas abro dentro de mim um vão por onde entra essa tristeza empoeirada, que eu combato com a poesia, o riso, o choro, o vinho, o gorfo, o mofo, o espirro, minhas rimas baratas, meu descontrole, meu não. basta. poeira de amor velho me dá vertigem. meu eixo deslocado perde o prumo, eu nasci meio torta, sou uma gambiarra. minha poeira - eu a tenho cá comigo - ela é meu passado, cansado de ser lembrado, ansioso por libertar-se do pensamento, morrer, como um bom passado deve ser: morto e enterrado, levando consigo toda essa matéria-prima que embasa minha poesia barata e minha prosa rarefeita de poesia cósmica. de poeira cósmica.

Um comentário:

  1. Embaço eterno sem estrelas... O que às vezes se consegue é arranjar um cantinho para nossa poeira, onde incomode menos, cada vez menos, onde se acomode mais. Segue-se. Deixe estar, paciente, a poeira passa.

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