O
ser humano pode ser tão fraco como uma mosca ou estúpido como um
peixe. Às vezes, um ou outro se sobressai e abre um pequeno furo na
mente das pessoas, por onde passa um pouco de ar ou um feixe de luz.
A esses chamam de mentores, mestres, professores, pensadores - homens e mulheres. Durante
a história da humanidade sempre vamos encontrar estas personagens
que conduzem seus contemporâneos – e muitas vezes suas lições
perduram para além de sua morte física. Em suas palavras e
ensinamentos, os condutores da humanidade resistem e sobrevivem.
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"Another Dead Fish". Drawing by Ribbitty Rabbitty |
Na
época em que não havia tantos meios de comunicação, o envio de
cartas, postais e telegramas significava mais do que se comunicar –
era de fato uma forma de se relacionar verdadeiramente com as pessoas
(vide “Cartas a Théo”). As cartas eram cuidadosamente guardadas
e de quando em quando relidas e relembradas. Nada nos impede de hoje
em dia fazermos o mesmo com os nossos… e-mails?, mas só quem
possui uma caixa de sapatos cheia de memórias eternizadas em finos
papéis de carta e grossos papéis-cartão, dentro de envelopes
rasgados e selados, sabe do que estou falando. Não é difícil
perceber a diferença entre um punhado de cartas e 15 gigabites de
informações desencontradas e divididas em vários endereços de
e-mails, perfis da sociedade virtual e afins.
Penso
na lei da oferta e da procura, tão cara ao capitalismo, e que é a
medida do valor das coisas. A grande quantidade de informação de
que dispomos nos torna negligentes com relação a ela. Ao mesmo
tempo que nos angustiamos ao percebemos o quanto há para se
conhecer, saber e aprender, nos conformamos com a postergação
infinita que cabe dentro de um marcador de páginas favoritas, ao qual sempre podemos recorrer. Sobra um pouco de angústia ou de
ansiedade.
Se
eu fosse me analisar, diria que sou muito mais apegada ao passado e à
memória do que poderia ser considerado inteligente. Sim, porque meu
apego me faz sofrer quando penso nas coisas – ou melhor, nos
sentimentos ligados às coisas – que eu perdi, seja como tenha
sido. Por outro lado, o que mantém esta minha forma de ser é
justamente o prazer que existe quando manuseio os traços do meu
passado, das minhas memórias – não é, afinal, isso que
verdadeiramente importa? Bem, há os que discordarão, fortuitamente.
São pessoas que vivem mais ligadas ao presente, que sabem deixar o
passado pra lá e viver o agora e o amanhã. Possuem essa
característica que admiro e às vezes até invejo, e que já busquei
em mim. Mas eu não sou assim, desprendida. Sou agarrada. A memória
é o meu chão.
De
uns tempos pra cá pessoas que haviam absolutamente sumido da minha
vida voltaram a fazer parte dela de uma maneira muito presente,
através da internet. De fato, com algumas, foi possível manter, ou
estabelecer, ou reestabelecer, um certo contato digno de notação.
Esses posso contar nos dedos de uma das mãos. Por algum motivo, a
comunicação à distância com essas pessoas nos possibilitou nos
relacionarmos verdadeiramente – ou melhor, suficientemente,
na medida em que é possível se relacionar da forma como temos feito
desde que as redes sociais surgiram, lá no início dos anos 2000.
Hoje
já existem outras mil formas de nos comunicarmos via internet, e as
pessoas vão aos poucos conhecendo e fazendo uso dessas ferramentas
como melhor lhes aprouver. As pessoas se comunicam, se falam, contam
suas histórias, partilham seus segredos. Uns se expõem a um nível
que beira o perigo ou o ridículo, outros se preservam, observando e
julgando. Mas acho que poucos se relacionam. Manter amizades de
forma mais virtual do que presencial nos empobrece de várias formas,
e isso porque acreditamos que escrever nossos pensamentos imediatos
ou estar sempre a declarar alguma coisa nos torna mais próximos dos
outros. As pessoas pensam que se comunicar é se pronunciar, mas com
a escrita no computador perdemos o olhar, o toque, o cheiro, o som do
tom de voz, o gaguejo, a dúvida, o sorriso no canto escondido, a mão
nervosa no cabelo. Não ouvimos o timbre nem percebemos o drama.
Todos falam ao mesmo tempo, ninguém ouve o que o outro tem a dizer.
Se lhe fazem uma pergunta, será que é por que se importam ou por
que estão apenas curiosos? Será que buscam fazer uma comparação
para averiguar a situação da própria vida relativamente à dos
outros?
Todos
fazem isso, de uma maneira ou de outra. Mas a realidade virtual é
bem mais nebulosa: ela é construída, pensada, mesmo que de forma
pueril, mesmo que com indiretas ou frases de efeito, mesmo que com desabafos
raivosos. Mostramos aquilo que queremos mostrar, seja o que for
aquilo que nos impulsiona: promoção pessoal ou desamor próprio.
Cada um tem a neurose que lhe cabe. Não é que alguém nos perguntou
algo. Aquele que pergunta "Em que você está pensando?" não é um
alguém que se importa: é uma máquina que lhe dá uma desculpa para
escrever.
(Pelo
menos as pessoas têm escrito mais. E lido mais. Não é?)
Não
sei.
As
pessoas vão a psicólogos, psiquiatras e terapeutas porque precisam
antes falar ou serem ouvidas?
Necessitamos da
compreensão dos que nos são caros. Mas, quem de fato está disposto
a ouvir, ou a ler o que se tem a dizer, quando há tanto para ler e
ouvir e ver e perceber e compreender? A urgência em falar acomete a
todos de uma vez: vêm as opiniões e os conselhos que você não
pediu pra receber. As pessoas lhe perguntam, mas, no fundo, elas não
querem saber verdadeiramente. Não lhes interessa de fato que você
fale o que viveu, pensou e sentiu, a aproximação não é genuína
quando há simplesmente uma vontade de saciar aquele algo mal
resolvido que existe lá dentro de não sei onde.
As
pessoas têm pagado seus terapeutas por que lhes falta quem lhes ouça
de olhos fechados, quem se interesse. Talvez existam uma ou duas
pessoas em todo o mundo com quem posso realmente conversar com mais
frequência sobre meus pensamentos e reflexões. E eu entendo isso.
Primeiramente porque não sou assim uma pessoa tão interessante, que
tem tanto para ensinar, como os sujeitos do primeiro parágrafo. Não
é fácil ser amigo de alguém, é preciso que haja um desinteresse
egoísta muito grande para que isso aconteça de forma válida. E as
amizades também têm suas fases.
Talvez
a grande diferença entre os casais e os amigos seja mesmo essa:
quando estamos tendo um problema com um amigo ou amiga, podemos nos
afastar temporariamente sem maiores problemas ou dramas. Já os
casais geralmente vivem as tensões de maneira mais catastrófica –
dá certo ou não dá? Porque se for, tem que ser agora. E tem que
dar certo sempre. Se uma pessoa fica casada com a outra por 15 anos,
mas se separam, muitos vão lhe dizer que é uma pena que não tenha
dado certo. Quinze anos juntos e não deu certo? É uma perspectiva
que desmerece toda uma história e um passado. Digamos que deu certo
por 13, 14 anos, e que lá pelas tantas, já não deu mais. Se isso
não for considerado, a vida perde o pouco do sentido que tem.
Que
triste ilusão a hipocrisia nos fornece dos relacionamentos humanos.
Fica a pergunta a martelar: o que são amizades “de verdade”? O
que é um relacionamento “de verdade”? O que é um interesse “de
verdade”? Espero viver o suficiente para um dia tentar responder a
isso.