14 de julho de 2010

da série "saudade roxa"

o que eu posso dizer?
saudade roxa
aponta no peito
e me diz: ai!

eu grito sem fazer barulho
pra não acordar a multidão

e faço poemas pra fazer jus
à minha condição
que não podemos mais tolerar a violência
do homem pelo homem
do homem pela mulher
e da mulher pelo homem

hoje meu sangue é roxo.

dentro do meu egoísmo
eu só tenho olhos pra minha cicatriz
e porque ela é minha
e é em mim que ela dói e incomoda
e não me deixa beijar o meu querido
nem as minhas queridas

os beijos que eu quero dar
eu os mando pelo ar.

só tenho olhos pra minha cicatriz

13 de julho de 2010

"Triste"


Eu hoje acordei triste.

Há certos dias

em que sinto esta mesma sensação.
E não sei explicar qual a razão
porque as mãos com que escrevo estão frias.
Eu pergunto a mim mesmo: "Tu não rias

inda ontem tão feliz? Dize-me, então,

por que sentes pulsar teu coração
destoando das humanas alegrias?"


E nem eu mesmo sei dizer porque estou triste.
Quem me olha não calcula, com triste certeza,
O imenso caos que no meu peito existe.

A tristeza que eu sinto ninguém vê.

É a maior das tristezas, é a tristeza

que a gente sente sem saber por quê.


poema de J. G. de Araújo Jorge

9 de julho de 2010

Oração do Bicicleteiro (V. Original)

Pergaminho encontrado junto com o Evangelho de Jesus.

Oração do Ciclista


Pai Nosso que estais no Céu

Abençoada seja nossa bike

Venha a nós as ciclofaixas

Assim na via como no papel

O pedal nosso de cada dia nos dai hoje

Perdoai as nossas imprudências

Assim como nós perdoamos

A quem nos tem atingido

Não nos deixei cair no chão

Mas livra-nos de todo acidente fatal

Amém!








5 de julho de 2010

enferrujada


"Quando se está sereno, não pedir para si mesmo a permissão para sê-lo, indagando-se se há realmente, em todos os sentidos, um sentido para essa serenidade".

Schopenhauer

"Todos nós nascemos na Arcádia, todos viemos ao mundo cheio de pretensões de felicidade e prazer, e conservamos a insensata esperança de fazê-las valer, até o momento em que o destino nos aferra bruscamente e nos mostra que nada é nosso, mas tudo é dele, uma vez que ele detém um direito incontestável não apenas sobre nossas posses e ganhos, mas também sobre nossos braços e nossas pernas, nossos olhos e nossos ouvidos, e até mesmo sobre nosso nariz no centro do rosto. A experiência vem em seguida e nos ensina que a felicidade e o prazer não passam de uma quimera, mostrada a distância por uma ilusão, enquanto o sofrimento e a dor são reais e manifestam-se diretamente por si só, sem a necessidade da ilusão e da espera. Se seu ensinamento se mostra frutífero, deixamos de buscar a felicidade e o prazer e passamos nos preocupar apenas em fugir ao máximo do sofrimento e da dor ["O homem sábio não persegue o que é agradável, mas a ausência da dor" (cf. Aristóteles, Ética a Nicômaco)].

Schopenhauer

Em outras palavras: evitar a fadiga (como diria uma prima)

se a minha bateria não acabar antes...



Morrendo de sono, mas sem querer dormir. Por quê? Hum, vejamos... Dormir significa adentrar outro mundo, o dos sonhos, o do inconsciente. Significa parar e pensar sobre o dia, ou então, ou também, pensar sobre o dia vindouro, que logo raia, ou sobre a semana vindoura, que dia após dia se desdobra na mesmice da folhinha, ano após ano, a cada dia de um jeito.

Dormir significa deixar o domingo morrer, e com ele o fim de semana que eu tive, tão bom que eu pedi pra não acabar, mas o tempo é justo e firme: ele passa na hora que ele tem que passar. Sentada no conforto do sofá, com uma coberta generosa, de posse de um teclado generoso, eu penso na reunião que tenho amanhã de manhã, no texto sobre bicicleta que os meninos prepararam e que eu quero ler, e, ansiosa, não consigo dormir.


Quero ler e escrever, apenas. Uma vontade dominante sobre mim, atualmente, é essa de ler e de escrever. Lendo bons autores creio que é uma vontade inevitável. Com eles, de alguma maneira, sempre me sobrevem a ânsio do diálogo com o papel (ou com a tela). A facilidade de escrever e apagar no computador já foi de grande estímulo para mim, mas escrever no papel usando um lápis com borracha na ponta me faz sentir-me meio século 20, e eu gosto.


A bateria do laptop está acabando. Engraçado. Livros e cadernos não tem bateria. Lápis têm grafite (mas ele nunca acaba, porque desistimos do cotoco antes de usarmos tudo). Imagina que situação: você no auge da sua inspiração escrevendo uma tese ou romance (que no fundo é tudo a mesma coisa), e a bateria do laptop acaba? Chato. Ou então você está viajando e no momento está quase terminando de ler um Cony da vida, nalgum daqueles leitores digitais de livro. Você está quase no final, preparando-se para derrubar as lágrimas que cuidadosamente vem guardando desde o início do livro, ansioso por coroá-lo com um pouco de sal e água, deixando uma leve e sutil marca d'água, literalmente, que pingou do seu choro honesto. Não, não pode mais. Se pingar água no visor, pode ser que estrague. E se a bateria da leitora acabar? Ah, é sempre chato, né?


Não sou chata, mas gosto do retrô. Ele serve para nos lembrar de que a tecnologia é boa, mas que a melhor bateria a ser cultivada é a que nos move, que nos faz agir, pensar ou sentir, que nos motiva a seguir adiante. Não diga que a sua bateria acabou quando a que realmente esgotou é a do laptop. Não diga que quebraram a sua janela quando a janela agora aberta é a do carro que você dirigie. Não diga que entortou a sua roda, quando o que entortou foi a roda da sua bicicleta.
Meu texto não tem pé, nem cabeça, mas, ainda bem, porque eu esses eu já tenho.

Poemete


"Olhei, ele era o outro. Gostei, ele era único. Peguei, ele era meu. Amei, ele era eu. Mentiu, ele era mau. Parti no vendaval".

Martha Mendonça.