9 de setembro de 2012

Cavalheiros e Damas

É um drama, eu sei, um grande, eloquente e, geralmente, pouco prolífico drama a questão do feminismo. Por causa da ala radical feminista, que muitas vezes é misândrica, isto é, abomina o sexo masculino, grande parte de todo o movimento acaba sendo taxado de radical e inútil por aqueles que querem diminuir os apelos feministas contemporâneos.

Antigamente, e nem tão antigamente assim, as mulheres tinham muito pouca liberdade: elas não podiam votar, não podiam assinar contratos, não podiam receber herança, e não podiam trabalhar em cargos de grande responsabilidade. Eram poucas as que podiam ir à universidade, e se elas não conseguissem se casar, estavam fadadas a uma vida miserável e infeliz de humilhações constantes. Não havia outro sentido na vida das mulheres que o de casar-se e procriar.

Hoje em dia, ao menos no mundo ocidental, por assim dizer (em partes da Ásia também, é claro, e na Oceania) já não são esses os problemas enfrentados pelos seres humanos do sexo feminino. Porque hoje vivemos num mundo «politicamente correto», as antigas concepções de vida resistem sob a forma da hipocrisia. Não podendo dizer o que realmente pensam, as pessoas seguem simplesmente sendo hipócritas, pois não querem ser taxadas de racistas, nem de homofóbicas, nem de antiquadas, etc. Eu, que não sou perfeita, também tenho lá minhas crises éticas, às vezes julgo as pessoas por coisas que eu talvez não deveria, às vezes também faço a patrulha ideológica em cima dos outros. 

O lugar onde há mais patrulha ideológica que eu conheço é o amado & odiado Facebook, o blogue coletivo da atualidade. Se os seus amigos são gente boa, se você sabe manejar mais ou menos as ferramentas do site, consegue manter até um nível razoável de interesse nesse «blogue». Eu, por exemplo, tomei uma tarde para eliminar pessoas com as quais eu não mantinha contato, e as que ficaram foram rigorosamente separadas em categorias. Sim, soa horrível, mas eu tive que fazer isso. Separei as pessoas em listas - Amigos, Melhores Amigos, Família, Institucionais e Restritos (que não veem nada do que eu publico, a não ser que eu torne público, o que eu nunca faço). Na última lista tem umas 300 pessoas. Meus álbuns de fotografias, a grande maioria estavam, até ontem, restritos aos Melhores Amigos (das quais a metade é minha família). Ontem eu coloquei-os disponíveis só para mim.

É uma situação contraditória, afinal, se eu quisesse realmente proteger minha privacidade, sequer teria aberto uma conta no site (nem tampouco um blogue). Ou então não publicaria tantas coisas lá - mesmo que não sejam pessoais, em sua maioria, não deixam de revelar muito sobre o que eu penso, minhas preocupações, minhas preferências, minhas inclinações políticas, etc. E mesmo que eu jamais publicasse absolutamente nada de cunho pessoal (o que de vez em quando eu acabo fazendo), quando vou dar pitaco nas publicações dos meus amigos, eu também estou revelando um pouco - ou até muito - de mim.

Esses dias, por exemplo, um amigo compartilhou uma imagem. Era um printscreen de uma declaração de fulano chamado Arbustus, que usa uma foto do personagem Travis Bickle (Robert De Niro), de «Taxi Driver» (1976). 


Robert De Niro de moicano, na pele do icônico personagem que lhe garantiu muitos fãs e uma indicação ao Oscar, mas que não era muito cavalheiro

A declaração dizia assim: «Cavalheirismo é o nome que as mulheres dão à parte do machismo que lhes é conveniente». É claro que «mandei a boca» ao meu amigo, como dizem os portugueses. Achei a frase tão estúpida que acabei colocando meu ponto de vista de forma irônica e rude: «uau, isso é que eu chamo de distorcer um conceito! parabéns por compartilhar essa idiotice!». Meu amigo ficou com preguiça do meu comentário («zzzzzzzzzzzzz») e depois disse, numa clara alusão à Marcha das Vadias, que iria fazer uma marcha pelo direito de expressar o que pensa sem ser oprimido pelos próprios amigos. 

Mesmo que eu tivesse sido mais polida, mais refinada, o fato de eu discordar da frase também seria considerado como «opressão» ou, melhor dizendo, «repressão». Mas isso acontece porque no Facebook só se pode concordar. Ou «curtir». Não existe a opção «não curtir». Ou você ignora o assunto, ou prepara os dedinhos para um duelo escrito, numa plataforma que não favorece o debate, pois que só favorece o ego. E foi isso que eu disse a ele (que lá só podemos concordar) e desejei-lhe boa sorte na marcha, torcendo para que em seu caminho exista uma mão dupla de liberdade de expressão (o meu direito de discordar).

N'outro dia um outro amigo veio conversar comigo em modo privado, por mensagens, a respeito do meu texto «Feminismo é o contrário de machismo?». Ele começou dizendo que já não tem mais esse tipo de discussão porque é sempre muito desgastante e não leva a nada. Ele faz parte da ala que tem ojeriza ao termo «feminismo», acredito eu por causa da misandria. Mas, «porque é você», ele topou debater. De todas as coisas que ele me disse, o que mais ficou marcado em mim foi sua revolta pelo comportamento sexual digamos, predatório, das meninas de hoje em dia. Que ela ficam, beijam e transam por uma noite, e não querem mais saber. Ele acha que é ridículo as mulheres se comportarem como os homens sempre se comportaram.


Essa senhora tem todos os naipes, mas as más línguas dizem que ela não é uma dama

Do ponto de vista histórico, tendo em vista séculos de repressão à sexualidade feminina, acho uma maravilha que as mulheres façam isso e não sejam mortas à pedrada em praça pública. Do meu ponto de vista pessoal, não acho que a emancipação feminina virá com noitadas e noitadas de transas inconsequentes. As pessoas sobrevalorizam o sexo, e isso é um saco. Tem muitos adolescentes cuja consistência mental é mais mole do que a minha famosa conserva de berinjela. Eles/elas acham que são muito rebeldes em sair transando com todo mundo, e usando-se uns aos outros como objetos/produtos sexuais. Não acredito que exista apenas uma forma de amar ou de exercer a sua sexualidade, mas também não acredito que a molecada saiba o que está fazendo, se seu comportamento não é apenas reflexo de uma lavagem cerebral que sexualiza a tudo e a todos (até as frutas). Por fim, ele disse: «Não existem mais homens cavalheiros porque não existem damas».


Damas do século 19

Como as do século 19, bem, acho que não existem mesmo. Ainda bem. Todos os paradigmas mudaram. E o conceito de mulher «ou santa ou puta» já deu muita dor de cabeça pra mulherada, desde os tempos de Jesus Cristo. Eu conheço duas mulheres que são o oposto uma da outra no que concerne à sexualidade: uma casou com o primeiro namorado, com quem perdeu a virginidade; e a outra «deu mais que chuchu na serra». Ambas fizeram o que queriam, o que sentiam vontade de fazer. Hoje em dia, uma virou mãe. E a outra sossegou lá com o seu namorado. Ambas são pessoas fantásticas, inteligentes, engraçadas, guerreiras e merecedoras de igual respeito. Corações foram partidos? Sim, em ambos os casos, por ambas as partes. Mas elas sobreviveram bem. São duas damas, e merecem ser respeitadas a despeito do tratamento que elas dão à própria vagina. Ser uma dama deveria estar além disso. Ou, ainda, se todas as mulheres devem ser damas, então os homens deveriam ser todos cavalheiros.

 
Duas damas de comportamentos opostos, mas que têm meu respeito do mesmo jeito

E cavalheirismo não é machismo, pois senão o «damismo» seria feminismo, e o feminismo certamente não se ocupa de dar aulas de etiquetas para as meninas. Cavalheirismo, lá em último lugar, tem relação com o tratamento que um homem dá a uma mulher. É, muito antes disso, uma relação do homem para com o mundo, seja de qual sexo (ou até mesmo espécie) for a pessoa. Para encerrar o assunto, acho que esta imagem explica bem o conceito do que é ser um cavalheiro. 

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Talvez ainda precisemos pensar e definir o que seria uma dama no século 21. Afinal, qual é a dama ideal?



 
Duas damas-de-ferro. A primeira, também conhecida pelo gracioso nome de «Virgem de Nuremberg», era um método de tortura medieval. A Primeira-Ministra britânica Margaret Thatcher  também recebeu a alcunha de dama-de-ferro, mas não sabemos se ela era virgem, santa ou puta

  
A personagem «Dama», da animação da Disney «A Dama e o Vagabundo», e o jogo de damas, um dos meus preferidos


Damas de todos os naipes, para todos os gostos

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