«É preciso ficar calma», pensou ela enquanto bebia a taça de vinho branco e tentava encontrar o isqueiro. Respirou fundo e rangeu os dentes levemente, enquanto os olhos se fechavam para o mundo e se abriam para o pensamento. «Perdi de novo».
O mundo pegando fogo ao lado da igreja, Portugal inteiro em chamas, e ela só se preocupava com duas coisas: o machucado entre os dedos dos pés e a degradação lenta e contínua do seu relacionamento com o ser amado. Mas que ideia idiota essa de se casar, de morar junto. Isso só serve mesmo para tirar ideias para roteiros de filmes de amor que acabam em tragédia. Ela já havia bolado uns tantos quantos. O último tinha até nome, «Mosquito». Mais um curta para entrar na gaveta - o que seria uma pena, já que esse era mesmo bom, tinha tudo para ganhar uns 40 mil reais em algum edital público. Ainda não entendia porque o governo deve pagar a terapia dos cineastas, que é fazer um filme das suas neuroses, mas, enfim, «quem sabe sobre um pedaço do bolo pra mim?». De todo modo, já estava de regime há um bom tempo.
«Vai abrir o vinho?».
«Não. Faz mal pra mim tomar vinho todos os dias».
Não é o que os médicos da Super Interessante dizem. Uma taça por dia ajuda o coração a bater melhor, quiçá ajuda até a curar mal de amor. «Mas eu não tomei vinho ontem. Egoísta». Se fosse ele outro, diria-lhe que abrisse o vinho e tomasse lá a sua taça, sozinha, enquanto fumava um cigarro com a mão para fora da janela e a boca torta, inutilmente soprando a fumaça pra longe, que essa teimava em voltar pra dentro devido à corrente de ar.
O verão tem duas utilidades hoje em dia na Europa: promover trabalho temporário para os 11 milhões de desempregados da Espanha e manter a cadeia alimentar baseada na existência e proliferação dos mosquitos. Durante o dia, sabe lá deus onde os malditos se metem, mas à noite eles vêm todos para o quarto, e como são uns mosquitos modernos, possivelmente com sua genética modificada, eles zunem ao redor dos ouvidos, mas percebem o movimento dos nossos olhos e se escondem na nuca, que ninguém tem olho nas costas (seria bom).
E porque numa certa noite eles não a deixaram dormir, mesmo depois de folheadas as páginas do «Memorial do Convento», e de fechados o livro e os olhos, ela acordou enfurecida e foi lá acertar as contas com o pobre coitado que dormia de livre e espontânea tristeza no sofá (já sequer lembrar porque é que ele lá foi parar). A geladeira nunca mais foi a mesma, arrancou-se todos os testemunhos da felicidade conjugal. «As flores secas são como nós», e pôs-se a destrui-las todas, numa cena digna de Almodóvar ou novela das oito (bons tempos aqueles). Ficou mesmo foi com dó do pé-de-feijão, que presenciou horrorizado o acalorado embate e murchou de tristeza e pena no outro dia.
Almoçaram feijoada, mas esqueceram de guardar uma unidade do grão para recomeçar a pequena horta, e quem sabe, tentar ser feliz de novo.
O mundo pegando fogo ao lado da igreja, Portugal inteiro em chamas, e ela só se preocupava com duas coisas: o machucado entre os dedos dos pés e a degradação lenta e contínua do seu relacionamento com o ser amado. Mas que ideia idiota essa de se casar, de morar junto. Isso só serve mesmo para tirar ideias para roteiros de filmes de amor que acabam em tragédia. Ela já havia bolado uns tantos quantos. O último tinha até nome, «Mosquito». Mais um curta para entrar na gaveta - o que seria uma pena, já que esse era mesmo bom, tinha tudo para ganhar uns 40 mil reais em algum edital público. Ainda não entendia porque o governo deve pagar a terapia dos cineastas, que é fazer um filme das suas neuroses, mas, enfim, «quem sabe sobre um pedaço do bolo pra mim?». De todo modo, já estava de regime há um bom tempo.
«Vai abrir o vinho?».
«Não. Faz mal pra mim tomar vinho todos os dias».
Não é o que os médicos da Super Interessante dizem. Uma taça por dia ajuda o coração a bater melhor, quiçá ajuda até a curar mal de amor. «Mas eu não tomei vinho ontem. Egoísta». Se fosse ele outro, diria-lhe que abrisse o vinho e tomasse lá a sua taça, sozinha, enquanto fumava um cigarro com a mão para fora da janela e a boca torta, inutilmente soprando a fumaça pra longe, que essa teimava em voltar pra dentro devido à corrente de ar.
O verão tem duas utilidades hoje em dia na Europa: promover trabalho temporário para os 11 milhões de desempregados da Espanha e manter a cadeia alimentar baseada na existência e proliferação dos mosquitos. Durante o dia, sabe lá deus onde os malditos se metem, mas à noite eles vêm todos para o quarto, e como são uns mosquitos modernos, possivelmente com sua genética modificada, eles zunem ao redor dos ouvidos, mas percebem o movimento dos nossos olhos e se escondem na nuca, que ninguém tem olho nas costas (seria bom).
E porque numa certa noite eles não a deixaram dormir, mesmo depois de folheadas as páginas do «Memorial do Convento», e de fechados o livro e os olhos, ela acordou enfurecida e foi lá acertar as contas com o pobre coitado que dormia de livre e espontânea tristeza no sofá (já sequer lembrar porque é que ele lá foi parar). A geladeira nunca mais foi a mesma, arrancou-se todos os testemunhos da felicidade conjugal. «As flores secas são como nós», e pôs-se a destrui-las todas, numa cena digna de Almodóvar ou novela das oito (bons tempos aqueles). Ficou mesmo foi com dó do pé-de-feijão, que presenciou horrorizado o acalorado embate e murchou de tristeza e pena no outro dia.
Almoçaram feijoada, mas esqueceram de guardar uma unidade do grão para recomeçar a pequena horta, e quem sabe, tentar ser feliz de novo.
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