Antes que alguém me xingue, eu vou dizer que o título do texto é antes de tudo uma provocação, para chamar a atenção e quiçá conseguir que alguns olhares se detenham para ler o que eu escrevi.
"É bom ter uma garota em casa". |
Mas eu também sou neta da minha avó, uma senhora fantástica que encarnou o que de melhor há na ideia do feminismo, que é, ao meu ver, que as mulheres são tão inteligentes e capazes quanto os homens, e que podem fazer muito mais do que apenas serem donas-de-casa. Só que a minha avó fez isso na década de 50, então há que se admirá-la - era mãe de seis filhos, era esposa, era advogada e era contadora. Além de tudo isso, era filha da primeira mulher a se desquitar no estado de Goiás, minha bisavó Sebastiana. Creio que ela superou muitos preconceitos e expectativas, e sou sua admiradora incondicional.
Então eu fui criada e me formei jornalista numa cidade conhecida por ser provinciana, cujo trunfo maior, para além das criações de gado e plantações de soja, são as mulheres lindas - tão lindas que viram produto de exportação (leia-se: tráfico internacional de mulheres para prostituição). Tão lindas que ser feia é quase crime. Em Goiânia, vê-se mulheres lindíssimas: maquiadíssimas, unhas feitíssimas, cabelos lisérrimos, shorts curtíssimos. Não basta ser inteligente, tem que ser linda. E daí, com sorte, ela poderá ser o troféu de alguém.
E eu, que não nasci nem linda, nem loira, nem de cabelo liso, demorei para encontrar autoconfiança dentro de mim, demorei para enxergar a minha própria beleza, após anos a fio de Xou da Xuxa, bonecas Barbie e filmes do Walt Disney. De todo modo, não perdi muito tempo sendo triste com isso, porque eu gostava de estudar e era nerd com orgulho.
"Então quanto mais uma mulher trabalha, mas bonita ela fica!" |
Hoje eu vejo que posso ter perdido uma oportunidade de aprender mais sobre o movimento feminista, mas acabei trilhando meu caminho sozinha, lendo aqui e ali alguns manifestos, alguns livros e alguns textos. Inclusive a Beauvoir. A internet é sempre uma fonte de pesquisa, encontra-se muitos blogs e textos, tanto de feministas radicais quanto moderadas. Apesar de ainda ser muito ignorante quanto à história do feminismo, suas lutas e conquistas, sei que devemos muito à mulheres anônimas que passaram maus bocados em busca da ampliação dos direitos da mulher: o direito de votar, o direito de trabalhar fora de casa, o direito de se divorciar e ser respeitada. O direito de ser feia, o direito de ser gorda, o direito de focar na carreira e não na vida familiar, etc. Daí que, após refletir um pouco sobre tudo isso, eu finalmente consigo dizer e justificar o que eu penso, que é...
O machismo é uma cultura, é uma forma de dominação que hoje já é bem diferente de como era antigamente, há mil, dois, três mil anos. É fruto de uma tradição patriarcalista, onde o homem era mais importante do que a mulher devido à sua força física e a um mundo que era bem mais áridos, ríspido, difícil, sem leis, sem regras. A religião vem para dominar as paixões dos seres humanos e impedi-los de agir a seu bel-prazer, num tempo em que não havia polícia nem lei, e em que um pão roubado era motivo para um assassinato, e que vira-e-mexe as mulheres eram violentadas e violadas. À medida que a sociedade se civiliza, se regula pelas leis, a religião perde sua força de regulação social e aumenta sua força de regulação moral.
O feminismo é uma luta por igualdade. O machismo é a crença na inferioridade intelectual e moral da mulher, mas nem todo machista é misógino. E nem toda feminista é misândrica, isto é, odeia ou despreza os homens. A ala radical do feminismo pode, sim, ser misândrica, mas é injusto que todo esse movimento pela igualdade de oportunidades, de respeito e de responsabilidade seja distorcido pela sociedade em geral devido a essa fração do movimento feminista. É revoltante, porque aqueles que defendem a inexistência do machismo (isto é, defendem o machismo) usam a misandria de parte da ala feminista para desmoralizar todo o movimento. Especialmente as mulheres machistas*.
*Nota: Após algumas leituras mudei minha percepção do que seria este fenômeno da mulher machista. Um pensamento que concordo é o de que a manifestação de atitudes machista ou a defesa do status quo machista nada mais é do a introjeção profunda do machismo na mulher. A identificação com o modelo já está tão intrincada na imagem que a mulher faz do gênero - e logo de si mesma - que ela não percebe o machismo, ou não percebe que esta visão de mundo lhe é desfavorável. Muitas vezes, inclusive, as mulheres acham que é favorável. Um amigo meu, com quem sempre tenho inúuumeras discussões sobre o tema, sempre coloca duas questões: festas e serviço militar. Sobre as festas, ele reclama daquelas em que a mulher paga menos, por vezes substancialmente, pelo ingresso. Em festas open bar, eu confesso que até acho justo porque as mulheres, em geral, ficam embriagadas bem mais rapidamente do que os homens, devido à sua constituição física, e logo, bebem menos do que eles. Em festas sem a tal regalia, concordo que é machista, e que beneficia as mulheres financeiramente. É uma maneira de garantir que mais mulheres venham à festa em questão. E isso é sim sexista. Meu amigo acha que deveríamos reclamar disso, por exemplo, ao invés dos temas comumente abordados (estupro, violência doméstica, aborto...). Ele parou de tocar neste ponto quando lhe disse que "o mercado de trabalho é injusto e muitas vezes a mulher recebe menos do que um homem, mesmo executando o mesmo serviço". Acho que foi uma boa tacada. Lembrei-me agora de uma imagem que vi na internet, comparando os gastos entre um homem e uma mulher para o primeiro encontro. Basicamente a mulher gasta o triplo do que cara para se depilar, fazer o cabelo, depilação, maquiagem, lingerie, etc. A frase final é: "E ele ainda quer que eu divida a conta?". Sim, neste sentido é correto: a mulher gasta um bocado para ficar linda para o homem. Não só gasta dinheiro, como sofre e perde muito tempo nessa maratona toda. Não é errado querer seduzir seu parceiro, mas é mesmo necessário ter que estar sempre linda e perfumada, como acaba sendo de praxe no comportamento das mulheres? É só buscar pelo lucro das empresas de cosméticos, pela quantidade de publicidade que incentiva o cuidado nos mínimos detalhes, a imprensa especializada e suas revistas femininas que dedicam 90% de suas páginas à mesma lenga-lenga do "perca 20kg em um mês com a dieta das celebridades"? O outro ponto que meu amigo costuma tocar é o do serviço militar obrigatório, que não o é para as mulheres. Sobre isso, tenho duas coisas a dizer. A primeira é que, se você, homem, é contra o serviço militar obrigatório, mobilize-se contra isso! E esteja certo de que várias mulheres lutarão ao seu lado, para que o serviço militar não seja obrigatório para ninguém. Sinceramente, não acho que a luta sobre esta causa irá emergir do movimento feminista, pois já há muito o que fazer pelos direitos das mulheres. É o cúmulo achar que agora o movimento tem que dar conta dos problemas do mundo masculino em específico. A segunda coisa é que há muitos casos de abuso psicológico e sexual contra mulheres militares, no mundo todo. Nos Estados Unidos, elas já estão super organizadas. (14/02/2014)
A luta feminista vai desde coisas cotidianas, como a manutenção e limpeza da casa, até assuntos mais complexos, como a paridade salarial. Hoje, no Brasil, acredito que a luta feminista está centrada nos seguintes aspectos: a questão do aborto, a questão da violência doméstica e a questão da violência sexual (física e moralmente falando).
"Se seu marido descobrir..." |
A violência doméstica no Brasil é também alvo de muitas discussões nos grupos feministas, e já é bastante estruturada no nosso país. Existem muitos grupos de apoio, existe a lei Maria da Penha, as Delegacias da Mulher, etc. Apesar disso o índice ainda é muito alto e vemos muitos crimes passionais de homens que não aceitam a separação e que agridem, espancam e assassinam suas mulheres. É preciso prevenir esses crimes, puni-los com maior severidade, educar os jovens e adolescentes sobre o sentido da liberdade e do respeito às opções de cada um.
Por fim, a violência sexual física, moral, psicológica. Sobre isso, acho que poderia escrever dezenas de parágrafos. Chega até a ser uma ladainha que já ninguém quer mais ouvir. De mulher-objeto a mulheres-frutas. Da Banheira do Gugu pro Pânico na TV. A televisão aberta brasileira produz, reproduz e dissemina a mulher como vagina-peito-bunda ambulantes, acéfalas, rebolantes. E já que estamos falando de Brasil, que apesar do seu crescimento econômico ainda tem muito chão pela frente no que diz respeito à educação, sabemos que existem muitas crianças e adolescentes que veem esses programas idiotizantes, sexualizam-se de uma maneira doentia e precoce, e crescem com a ideia, tantos os meninos como as meninas, de que mulher só serve se for bonita, gostosa, e se rebolar seminua na TV às 18h do domingo em família.
Ocorre-me agora também outras duas questões, que é a do parto em casa e a do estupro, e isso tudo também envolve a questão do aborto. Na verdade, são questões que têm a ver com o domínio da mulher sobre o próprio corpo. A decisão de como se vestir, de onde ir, de como se portar, de como reagir às investidas agressivas e ultrajante de alguns homens que se veem constantemente «provocados» sexualmente pela beleza das mulheres. A Igreja Católica é contra o aborto, mas os deputados e senadores precisam da bênção do Papa para legislar? E as mulheres que não são católicas (supondo aqui que as católicas todas, em unanimidade, são contra o aborto), por que deveriam elas estar sujeitas às crenças de uma religião com a qual não se identificam? Se uma mulher é responsabilizada quando é violentada, quando a violência se justifica por uma peça de roupa mais curta, que tipo de sociedade é essa que culpa a vítima e não o agressor? Não, o feminismo não é o oposto do machismo. Feminismo é o oposto de desrespeito.
"Uma a cada três mulheres da América Latina experiencia a violência física". Eu sou uma delas. |
Gostei muito do post. Parabéns!
ResponderExcluirObrigada, João! :)
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